"Ao mesmo tempo que o capital
tende, por um lado,
necessariamente, a destruir todas as
barreiras espaciais opostas ao
tráfego, isto é, ao intercâmbio, e a
conquistar a terra inteira como um
mercado, ele tende, por outro lado,
a anular o espaço por meio de
tempo, isto é, a reduzir a um
mínimo o tempo tomado pelo
movimento de um lugar ao outro.
Karl Marx, in "Manuscrits de 1857-1858 (Grundrisse)"
CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial
A notícia do assassinato do presidente norte-americano Abraham
Lincoln, em 1865, levou 13 dias para cruzar o Atlântico e chegar
à Europa.
A queda da bolsa de valores de Hong Kong, na semana passada,
levou 13 segundos para cair como um raio sobre São Paulo e
Tóquio, Nova York e Tel Aviv, Buenos Aires e Frankfurt. Eis, ao
vivo e em cores, a globalização. Não como fenômeno
teórico, que
já produziu um punhado de livros, "papers", ensaios e muita
incompreensão. Mas como um fato da vida real.
"A globalização não é apenas palavra da moda,
mas a síntese das
transformações radicais pelas quais vem passando a economia
mundial desde o início dos anos 80", resume o economista
Eduardo Gianetti da Fonseca, da Universidade de São Paulo.
O único exagero nessa descrição sumária é
o de tomá-la como
"palavra da moda" indiscriminadamente. Pesquisa Datafolha, feita
em maio, mostra que 57% dos brasileiros jamais ouviram falar na
"palavra da moda". Mesmo entre os entrevistados com nível de
escolaridade superior, 14% ignoram o termo.
Não importa. Ela não pede licença para afetar os que
sabem do
que se trata e os que nem sequer ouviram mencionar a "palavra da
moda", como tenta mostrar este caderno especial. Afeta o
presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Em
entrevista exclusiva, o presidente admite que o fenômeno "limita
efetivamente o âmbito de ação dos Estados nacionais".
Ou seja,
limita o seu próprio poder de impor políticas.
A semana que está terminando é um exemplo definitivo: o governo
brasileiro vinha reduzindo a taxa interna de juros gradativamente e
não via motivo algum para não continuar a fazê-lo.
Até que a queda da bolsa de Hong Kong mudou tudo e obrigou a
equipe econômica a duplicar a taxa de juros, com todo o cortejo
negativo de efeitos que produz. Não porque tenha mudado o
quadro interno. É o efeito da globalização, ou seja,
da
interdependência crescente entre países e mercados.
Mas a globalização afeta igualmente os 57% que, ao contrário
de
FHC, não sabem do que se trata.
Desde 1960, os pobres, para os quais globalização não
é "palavra
da moda", ficaram mais longe, muito mais longe, dos ricos: os
20% mais ricos do planeta tinham, em 1994, uma renda 78 vezes
superior à dos 20% mais pobres.
Em 1960, a diferença já era grande, mas infinitamente menor
(30
vezes).
A globalização atinge diretamente mesmo aqueles que se
globalizaram, mas não têm necessariamente consciência
do
fenômeno. Exemplo: o jogador de futebol Ronaldinho.
Um dos anúncios que ele protagoniza foi criado por uma agência
norte-americana, para vender no Brasil os produtos da
multinacional também norte-americana Nike, mas fabricados em
países da Ásia, como Vietnã ou Indonésia.
A globalização não é apenas, talvez nem principalmente,
econômica. É também cultural, o que inclui desde a
informação
instantaneamente globalizada até o predomínio do inglês,
o idioma
da globalização. Mesmo no Brasil, muitas lojas já
não fazem
liquidações, mas "sale" ou "off", palavras que significam
mais ou
menos a mesma coisa, mas em inglês.
Se a CNN (Cable News Network), a rede global de TV, deu o
pontapé inicial à informação em escala planetária,
é a Internet, a
rede de computadores, que tece, dia após dia, vínculos crescentes
entre os que estão nela plugados.
Tece para o bem ou para o mal. São sistemas semelhantes à
Internet que permitem a cada bolsa de valores saber no mesmo
momento o que ocorre nas outras bolsas, por remotas que sejam.
Permitem, por extensão, festejar ou chorar, conforme os gráficos
de cotações apontem para cima ou para baixo.
CELSO PINTO
do Conselho Editorial
O furacão financeiro que veio da Ásia, passou pela Europa,
Estados Unidos e chegou ao Brasil, teve pelo menos uma
vantagem didática. Ninguém pode mais alegar que nunca ouviu
falar da globalização financeira.
Até há poucos meses, é provável que poucos
soubessem onde
ficava a Tailândia ou Hong Kong. Hoje muita gente sabe que um
resfriado nesses lugares pode virar uma gripe por aqui.
Especialmente se fizer uma escala em Nova York.
Existem várias dimensões da globalização financeira.
A rigor, no
mundo que existia entre 1870 e 1920 o fluxo mundial de capitais
privados era muito maior, em termos relativos, do que é hoje.
Medindo o tamanho da absorção pelos países dos capitais
externos pelo tamanho de seu déficit externo em conta corrente,
a
média do período foi de 3,3% do PIB, enquanto a média
nos
anos 90 está em 2,6%.
Se os fluxos privados de capitais eram mais expressivos em
termos relativos, eles espantam, hoje, em termos absolutos.
Apenas o fluxo líquido para os países emergentes, entre 90
e 96,
somou US$ 1,2 trilhão. Vários fatores fazem com que o impacto
dessa massa gigantesca de capitais que percorre o mundo hoje
seja tão expressivo.
Não há dúvida de que o mercado financeiro internacional
tem um
poder impressionante. Pela combinação de dois fatores: a
desregulamentação dos anos 80 e o extraordinário avanço
tecnológico nas comunicações.
Até há pouco mais de uma década, muitos países
mantinham
estritos controles sobre o movimento de capitais. Só nesta
década, por exemplo, França e Itália eliminaram as
últimas
restrições ao fluxo de dinheiro, por força do acordo
da União
Européia.
Acabaram-se os controles sobre movimentação de capital, ao
mesmo tempo em que mudou a face do mercado financeiro. A
hegemonia dos bancos, como geradores de empréstimos, acabou.
Decolou o mercado de títulos, emitidos por instituições
financeiras
e empresas.
Títulos comprados por milhões de investidores ao redor do
mundo, especialmente por meio de fundos de pensão e fundos de
investimento, que tiveram um crescimento vertiginoso. Eles lidam,
hoje, com uma espantosa massa de US$ 20 trilhões. Cada vez
que esses investidores institucionais mudam de idéia sobre onde
colocar 1% de sua carteira, US$ 200 bilhões mudam de lugar. O
bastante para provocar terremotos.
O avanço das comunicações e a liberdade de fluxos
de capitais
uniram os mercados. Hoje, muitas instituições financeiras
operam
24 horas por dia. Abrem o dia na Ásia, começam a operar na
Europa quando os asiáticos vão jantar e abrem os negócios
no
mercado americano quando os europeus estão terminando os
seus.
Por essa razão, qualquer choque sobre o mercado tende a se
propagar sem paradas. O que se viu nas últimas semanas foi um
exemplo expressivo de um legítimo choque global. Um terremoto
na Ásia abalando a Europa, a América Latina e os Estados
Unidos, para voltar à Ásia no dia seguinte. Ou mudando de
sinal a
partir de uma recuperação americana, propagada para a Ásia,
a
Europa e a América Latina.
O outro componente que torna o mercado financeiro internacional
assustador é o tamanho do dinheiro mobilizável. Especialmente
por meio dos "derivativos".
Um derivativo, como diz o nome, é uma negociação derivada
de
alguma outra. Negocia-se no mercado futuro (de moedas, de
juros, de índices etc.) uma operação financeira de
compra ou
venda que tem como referência a variação do preço
de um ativo.
A intenção, via de regra, é proteger-se no mercado
futuro contra
a variação no valor de numa operação real.
O mercado é
alimentado também, contudo, por especuladores que
simplesmente apostam que certos preços irão em certa direção.
Tomemos um exemplo no mercado de câmbio, mas que poderia
ser aplicado a outras áreas, como juros. Suponha que uma
empresa americana terá muita receita com exportações
para a
Alemanha, em marcos. O interesse da empresa é apresentar bons
resultados em dólares, para seus acionistas americanos. Se o
marco se valorizar em relação ao dólar, as receitas
de
exportações vão encolher quando medidas em dólares.
Para se proteger, essa empresa pode comprar no mercado futuro
um contrato em marcos no valor de sua receita futura. Se, até o
vencimento, o marco se valorizar, o prejuízo com a receita de
exportação será compensado com o lucro da operação
financeira
no mercado futuro, ou vice-versa.
Agora suponha que existe uma empresa alemã na situação
oposta,
cujo receio é o de uma valorização do dólar
em relação ao marco.
Imagine que o valor do contrato é equivalente ao da empresa
americana. As duas empresas poderiam fazer uma "troca", um
"swap" no mercado futuro, de tal forma que uma pagaria à outra
apenas a diferença referente à valorização
ou desvalorização de
uma moeda em relação à outra.
Uma terceira forma de qualquer das duas empresas se proteger
seria adquirir uma opção de compra no futuro da moeda em
que
vai receber sua exportação. Se a moeda se valorizar, a empresa
exerce a opção e realiza o lucro financeiro que compensa
a perda
com a receita da exportação. Se a moeda não se valorizar,
tudo o
que a empresa perde é o prêmio que pagou para comprar a
opção.
Os três casos têm duas coisas em comum. Em todos eles, o
desembolso e o custo é apenas uma fração do valor
nominal da
operação. Além disso, sempre tem alguém do
outro lado
apostando na direção oposta.
Este alguém pode ser outra empresa, como no exemplo de "swap"
acima, mas pode ser também um especulador, alguém que
simplesmente aposta que uma moeda vai numa certa direção
e
quer ganhar dinheiro com isso. O especulador é essencial para dar
liquidez ao mercado, mas ganhou, com os derivativos, um poder
gigantesco de alavancagem em suas apostas.
Quando soma-se a inquietação de empresas indo ao mercado
futuro tentando se proteger contra a desvalorização de uma
moeda, com o apetite dos especuladores em apostar contra essa
moeda, chega-se a um ataque especulativo. Com uma fração
do
valor dos contratos, pode-se montar posições de bilhões
contra
uma certa moeda.
A dimensão adquirida pelo mercado de derivativos é espantosa.
Há dez anos o mercado era irrelevante. No ano passado, os
derivativos somaram US$ 35 trilhões, segundos dados do Banco
para Compensações Internacionais, o BIS. Desse total, US$
9,9
trilhões foram negociados nas várias bolsas de futuros ao
redor do
mundo, e US$ 24,3 trilhões, no mercado de balcão, ou seja,
em
operações feitas diretamente entre interessados no mercado.
Os US$ 35 trilhões, ou quase seis vezes o valor do PIB
americano, são o valor de referência das operações.
O risco
envolvido é menor, já que elas são acertadas por margens,
como
foi explicado.
Alguns economistas saúdam a explosão dos derivativos como
uma
redução, não um aumento do risco. Como grande parte
das
operações vem do desejo de não correr riscos (de variação
de
uma moeda, das taxas de juros etc.), o salto nos derivativos
apenas refletiria uma cautela saudável frente à internacionalização
dos negócios.
As autoridades, inclusive o BIS, estão muito mais preocupadas.
Essas operações não são contabilizadas nos
balanços dos bancos,
nem sempre seus riscos são entendidos por quem opera e, se
alguém quebrar no meio do caminho, pode gerar uma cadeia
assustadora de perdas.
Os derivativos são uma das faces da globalização financeira,
mas
o salto nas operações internacionais é geral.
O estoque das operações internacionais dos bancos soma hoje
US$ 8,2 trilhões brutos, ou US$ 6,9 trilhões líquidos,
segundo o
BIS. O estoque de papéis internacionais chega a US$ 3,2 trilhões
líquidos e não pára de crescer: a emissão anual
pulou de US$ 294
bilhões em 91 para US$ 540 bilhões no ano passado.
Esta montanha de papéis e milhões de investidores são
capazes de
reagir, em questão de segundos, a boas e más notícias.
Os
derivativos permitem alavancar apostas bilionárias, com um
pequeno desembolso de dinheiro. Ou nem isso. Pode-se tomar
emprestado o dinheiro necessário para pagar a margem da
operação no mercado futuro.
Foi isso que aconteceu com os países asiáticos, começando
na
Tailândia. No final, quem apostou contra os governos ganhou
muito dinheiro, porque a desvalorização aconteceu, país
após
país. Especuladores como o húngaro-novaiorquino George Soros,
contudo, só entram no jogo de apostar contra uma moeda quando
acham que existem chances enormes de ganhar.
Quando empresas e bancos tentam se cobrir no mercado futuro,
por medo de uma desvalorização, e os especuladores sentem
o
cheiro de sangue, vão para o bote final. O que as pessoas
esquecem é que alguém tem que estar na outra ponta, vendendo
dólares em troca de moeda local, para que o especulador lucre.
Esse alguém, a certa altura, acaba sendo apenas o banco central
local.
A globalização dos mercados financeiros torna esses movimentos
rápidos, violentos e mortais. Uma inconsistência macroeconômica
que, há duas décadas, poderia se arrastar por muitos anos
e
provocar uma lenta hemorragia, hoje pode levar um país à
lona
em questão de semanas. Mesmo que esse país seja o "darling"
dos bancos internacionais, como era o México em 94, ou um
"milagreiro asiático", como era a Tailândia.
O risco da globalização financeira existe e a multiplicação
do
volume de papéis financeiros em relação à produção
real pode
acabar, como prevê o deputado Delfim Netto, "numa enorme
fogueira". O próprio Soros, aliás, é um dos críticos
desta explosão
financeira.
Existe, contudo, uma lógica no movimento de capitais. Um
princípio continua válido: para países que mantêm
políticas
econômicas consistentes, a globalização financeira
pode ser mais
uma oportunidade do que um risco.
do Conselho Editorial
O que é, afinal das contas, globalização? Como em
qualquer
assunto em que entre a questão econômica, essa pergunta vai
encontrar 11 respostas diferentes, se forem consultados 10
economistas.
A explicação talvez mais didática está no teorema
do economista
Eduardo Gianetti da Fonseca:
"O fenômeno da globalização resulta da conjunção
de três forças
poderosas:
1) a terceira revolução tecnológica (tecnologias ligadas
à busca,
processamento, difusão e transmissão de informações;
inteligência
artificial; engenharia genética);
2) a formação de áreas de livre comércio e
blocos econômicos
integrados (como o Mercosul, a União Européia e o Nafta);
3) a crescente interligação e interdependência dos
mercados
físicos e financeiros, em escala planetária".
Discorda o jornal francês "Le Monde", em recente dossiê sobre
a
"mundialização", como os franceses insistem em chamar a
globalização.
Lembra, primeiro, que "o comércio entre nações é
velho como o
mundo, os transportes intercontinentais rápidos existem há
vários
decênios, as empresas multinacionais prosperam já faz meio
século, os movimentos de capitais não são uma invenção
dos anos
90, assim como a televisão, os satélites, a informática".
O que "Le Monde" chama de "novidade" é "a desaparição
do
único grande sistema que concorria com o capitalismo liberal em
escala planetária, ou seja, o comunismo soviético".
Aí, sim, fecha-se o ciclo, porque o fim do comunismo permite
globalizar de fato o capitalismo, com todas as implicações
decorrentes: aumento no fluxo de comércio, de informações
e de
expansão das empresas multinacionais para mercados antes
fechados.
Tudo somado, tem-se que a "a mundialização é bem mais
que
uma fase suplementar no processo de internacionalização do
capital industrial em curso desde faz mais de um século", como
escreve, para este caderno, o especialista francês François
Chesnais.
Chesnais prefere ao que chama "termo vago" ("mundialização")
definir esse fenômeno como "regime mundializado de dominação
financeira".
Tem certa razão: a globalização ainda é, acima
de tudo, um
fenômeno financeiro.
A crise das bolsas é uma prova: a um simples toque de
computador, bilhões de dólares se evaporam em Hong Kong e
reaparecem em Nova York, por exemplo.
Mas é preciso bem mais do que isso para tirar uma fábrica
da
Alemanha e instalá-la no Brasil, por exemplo.
É por tudo isso que o especialista britânico Anthony McGrew
(Universidade Aberta do Reino Unido) lista três tendências
nos
analistas da globalização, a saber:
1) os "hiperglobalizantes", os que acham que a globalização
define
"uma nova época" na história da humanidade, em que "as
tradicionais nações-Estado tornaram-se não-naturais,
até mesmo
unidades de negócio impossíveis em uma economia global".
É o
caso do japonês Kenichi Ohmae;
2) os céticos. São os que entendem que os fluxos atuais de
comércio, investimento e mão-de-obra não são
superiores aos do
século passado;
3) os "transformalistas". Têm uma visão intermediária.
Admitem
que os processos contemporâneos de globalização não
têm
precedentes, mas acham que resta um papel para os governos
nessa história, desde que se adaptem a um mundo em que já
não
há uma distinção clara entre assuntos domésticos
e internacionais.
Apontam, ainda, um novo padrão de inclusão e exclusão
social na
economia globalizada.
Até os nômades
No fundo, acaba sendo indiferente qual o rótulo que se prefira.
As
mudanças provocadas pela globalização não poupam
nem sequer
os personagens em tese mais independentes.
Tome-se o caso dos beduínos da Arábia Saudita. São
nômades,
o que, por definição, quer dizer independentes, isolados
do
mundo. Fazem seu próprio estilo de vida, imutável há
séculos.
Era imutável.
O custo de sustentar seus camelos, meio de transporte e de vida
para todos eles, no trabalho de pastoreio, tornou-se insuportável.
E já não conseguem enfrentar a concorrência oferecida
pelas
ovelhas importadas (à razão de 12 milhões ao ano)
de lugares tão
distantes como o Uruguai ou a Nova Zelândia.
Se os nômades puderam produzir um símbolo, Lawrence da
Arábia, como emblema do mundo pré-globalização,
o mundo
contemporâneo é, ao contrário, uma cacofonia de símbolos
facilmente reconhecíveis, em qualquer lugar em que se esteja, da
Coca-Cola à Toyota, da Nike ao McDonald's.
MARIA ERCILIA
do Universo Online
O mundo nunca foi tão pequeno -e só encolheu tanto por causa
da tecnologia. A indústria da telecomunicação vive
uma explosão
sem precedentes, somada ao barateamento e à popularização
da
informática. Paralelamente, começa a se esboçar uma
convergência entre a infra-estrutura de comunicação
e a indústria
da mídia, à medida que ambas se digitalizam. É essa
conjunção
que torna possível um mundo globalizado nos moldes de hoje.
"Já tivemos um mundo articulado em termos globais na segunda
metade do século 19, com a hegemonia city londrina, que
articulava as outras bolsas e as dominava. Esse período foi até
o
'crack' de 29", afirma Márcio Wohlers, professor do Instituto de
Economia da Unicamp e especialista em economia das
telecomunicações. "Nos anos 70, com a crise do petróleo,
inicia-se o chamado "big bang" inglês, um processo de
desregulamentação financeira que possibilitou uma nova
emergência do capital financeiro internacional. Esse "big bang" foi
causa e efeito de novas tecnologias de comunicação."
Para Wohlers, o sistema financeiro hoje é, sob certos aspectos,
muito mais resistente, devido à telemática. "A possibilidade
de ter
informação rápida reduz a incerteza", diz.
Mas a aceleração da informação acaba gerando
novos
problemas. "Por outro lado, o que aconteceu nas bolsas no último
dia 29 demonstra que a comunicação on line a partir de um
certo
momento pode acabar acelerando a propagação de crises
regionalizadas. Já não se corre o risco de as informações
chegarem tarde demais, mas por outro lado a possibilidade de
contágio psicológico é muito maior. O fechamento de
pregões foi
quase uma constatação de irracionalidade. Não adianta
um mundo
de informação, porque o sistema de tomada de decisão
está
incapacitado. Não é verdade que mais informação
significa mais
racionalidade."
Para Carlos Alberto Primo Braga, economista-chefe da divisão de
telecomunicações e informática do Banco Mundial, a
globalização
depende do barateamento das telecomunicações e da redução
da
importância da localização geográfica.
"Esse processo que chamamos de globalização, que se acelerou
nos anos 80, não pode ser reduzido à comercialização
cada vez
maior de produtos no mercado internacional. Se tomarmos a
exportação/importação de um país e dividirmos
pelo PIB,
veremos que esse parâmetro está aumentando. Mas isso também
ocorria no século 19, com a economia colonial. Eu diria que as
diferenças hoje estão na despencada nos custos de
telecomunicação e na enorme facilitação do
acesso à informação,
em qualquer lugar onde se esteja."
A "despencada" de que fala Primo Braga não é força
de
expressão. Entre a década de 40 e a de 70, o preço
de uma
chamada telefônica internacional caiu mais de 80%. Entre 70 e 90,
mais de 90% (dados do Relatório de Desenvolvimento Humano
da ONU, 1997). Como resultado, nos anos 80, o tráfego de
telecomunicações aumentou 20% ao ano.
A queda nos preços seria ainda maior se as empresas telefônicas
tivessem repassado para o consumidor a redução de custos
que
vêm tendo.
De acordo com dados do Banco Mundial, o custo de transmissão
de voz caiu dez mil vezes nos últimos 20 anos, graças ao
avanço
das fibras óticas, da eletrônica e da comunicação
sem fio.
A telefonia móvel de alcance mundial, símbolo da integração
global, que utilizará sistemas de satélite como o Iridium,
deve estar
funcionando em setembro de 98.
Mas o mundo não ficou pequeno para todos. Apesar de uma
complexa rede de cabos e satélites estar perto de abraçar
completamente o globo, as telecomunicações ainda são
um
privilégio de poucos.
Segundo as últimas estatísticas (União Internacional
das
Telecomunicações, 1996), existem cerca de 745 milhões
de
telefones para uma população mundial de 5,6 bilhões
de pessoas.
De acordo com dados da Organização Mundial do Comércio,
grande parte da África tem menos de uma linha para cada 100
habitantes. Os mercados mais saturados, com mais de 25 linhas
para cada 100 habitantes, estão na América do Norte, Europa
e
Oceania.
"É a chamada Lei de Jipp", afirma Wohlers. "A infra-estrutura de
telecomunicações sempre acompanha o PIB per capita. Talvez
dentro de um programa desenvolvimentista a telemática possa
incentivar o crescimento econômico. Mas não substitui outras
infra-estruturas."
Apesar desse monstruoso abismo geopolítico, muitos analistas
permanecem otimistas. Simon Forge, consultor da empresa
norte-americana Cambridge Strategic Management Consultants, é
autor de um estudo segundo o qual os preços de serviços de
telecomunicação devem se aproximar de zero no ano de 2005.
Segundo ele, três fatores vão derrubar ainda mais os custos
de
telecomunicação: avanços técnicos que reduzem
o custo da
infra-estrutura, o excesso de capacidade de transmissão
internacional -que acaba transbordando para ligações de longa
distância nacionais- e a desregulamentação e erosão
das margens
de lucro.
A queda dos monopólios de comunicação e a revisão
dos
acordos tarifários internacionais devem reduzir rapidamente as
altíssimas margens de lucro das empresas telefônicas.
Uma plano divulgado pelo FCC (Federal Communications
Commission dos EUA) no último dia 7 de agosto aponta na
direção das previsões de Forge.
O órgão quer reduzir drasticamente os valores pagos pelos
EUA
a operadoras de outros países para que ligações internacionais
sejam completadas. As ligações internacionais terão
uma redução
dos atuais US$ 0,88 para US$ 0,20 por minuto. O órgão
pretende fixar a tarifa máxima imposta às operadoras estrangeiras
de acordo com o grau de desenvolvimento de cada país. Segundo
o FCC, o usuário norte-americano, o mais competitivo do mundo,
paga hoje mais de seis vezes o valor de uma ligação doméstica
de
longa distância para uma ligação internacional.
Para Primo Braga, "esse é um processo sem retorno". A
segmentação dos mercados de informação, comunicação
e
serviços "favorece a exploração de nichos. Por exemplo,
o Brasil
poderia passar a explorar o mercado de informação em português
num nível mundial, através da Internet", afirma.
Primo Braga acredita que o desenvolvimento de soluções
alternativas, como a telefonia via Internet, vai reduzir ainda mais o
preço da telecomunicação. As próprias empresas
telefônicas,
entre elas a Nokia (Finlândia) e a Deutsche Telekom (Alemanha),
estão fazendo experiências com ligações telefônicas
via Internet, a
preços praticamente de ligação local.
"Está ocorrendo hoje a morte da localização geográfica",
afirma.
"Houve um grande ganho de produtividade na indústria de
serviços -responsável por 70% do PIB dos países industrializados
hoje. As telecomunicações permitem que as empresas terceirizem
funções e se concentrem na sua vantagem competitiva."
O barateamento das comunicações empresariais é um
elemento
crucial da globalização na esfera produtiva.
Segundo Márcio Wohlers, quando as empresas começaram a se
comunicar por redes de computador interligadas por linha
telefônica, tiveram um grande ganho de produtividade. "As
grandes empresas adicionaram, com a comunicação ágil
e barata,
uma vantagem competitiva decisiva e ganharam mais poder."
A convergência entre as indústrias de informática,
telefonia e mídia
transformam tanto o mercado de informação quanto o de
comunicação. "Se colocarmos no alto de um triângulo
a indústria
cultural, à esquerda a indústria de informática e
à direita
telecomunicações, uma empresa hipotética no centro
do triângulo
representaria a convergência entre elas", diz Wohlers.
"Mas cada setor tem uma lógica de competitividade diferente. A
lógica da mídia é a do direito autoral. A do software
é a da
produção de massa. Finalmente, as telecomunicações
têm o
raciocínio do monopólio. Por isso muitas das grandes fusões
fracassaram. Aquela idéia de que a empresa deve se manter no
seu negócio principal até agora continua valendo."
Embora as empresas não tenham chegado a achar um caminho
para a convergência, a infra-estrutura se aproxima dela. Até
pouco tempo havia uma distinção clara entre redes de telefonia,
de dados e de "broadcast" (TV e rádio).
A tendência é que telecomunicações, difusão
de rádio e TV e
transmissão de dados passem a circular indiferentemente por
fibras óticas e satélites. Apesar das barreiras políticas
e
econômicas à integração das comunicações,
do ponto de vista
tecnológico os avanços nunca foram tão rápidos.
Apontam para
uma comunicação mais ubíqua, rápida e barata.
da Redação
O economista francês François Chesnais, um dos principais
teóricos da gênese e dos efeitos da globalização,
é também um de
seus maiores críticos. A convite da Folha, Chesnais respondeu
para esta edição algumas das questões que permitem
compreender como funciona a globalização e suas consequências.
1. O que distingue a globalização das fases anteriores do
capitalismo, como o imperialismo do século 19?
A mundialização (1) é bem mais que uma fase suplementar
do
processo de internacionalização do capital industrial,
desencadeada há mais de um século. Estamos diante de um novo
modo de funcionamento sistêmico do capitalismo mundial ou, em
outros termos, de uma nova modalidade de regime de
acumulação. Por trás do termo vago de "mundialização"
encontra-se um novo regime de acumulação, ao qual dou o nome
de "regime mundializado sob égide financeira". Os traços
característicos deste regime podem ser definidos por contraste
com o modelo de acumulação "fordista", que prevaleceu durante
os "30 anos gloriosos" (do final dos anos 40 ao fim dos anos 70),
e com o modelo imperialista "clássico" que dominou até a
crise de
1929.
O fordismo caracterizava-se pelas taxas de investimento
suficientemente elevadas, capazes de manter empregada toda a
mão-de-obra disponível ("assegurar o pleno emprego"), com
ocasionais recursos até mesmo à imigração.
Uma vez que se
tratava de um regime de acumulação essencialmente voltado
para
a extensão da produção de valor e de mais-valia, e
logo de
riqueza (ao passo que o regime atual preocupa-se antes com a
apropriação de riqueza e privilegia as atividades especulativas
baseadas em posições nos mercados imobiliário, financeiro
e de
transações comerciais), ele foi capaz de tolerar, ao menos
nos
países capitalistas centrais, a partilha parcial dos ganhos de
produtividade com as camadas assalariadas, bem como de
suportar as despesas referentes ao Estado de bem-estar social, o
"Welfare State".
Nesses países, o regime fordista permitiu durante 30 anos uma
elevação geral do nível de vida das grandes massas.
À diferença
ainda do regime de acumulação atual, o regime fordista tendia
à
inclusão e não à exclusão, do mesmo modo que,
no plano
internacional, tendia à integração e não à
marginalização. Mesmo
fora de seu âmbito geográfico original, os grandes grupos
industriais dos países centrais acomodaram-se à implementação
de políticas de substituição de importações,
e assim geraram
novas capacidades produtivas, por mais que tenham igualmente
contribuído para a perpetuação da dependência
tecnológica.
Expandiram a massa de assalariados industriais e toleraram sem
grandes dificuldades o "desenvolvimentismo" do tipo brasileiro.
Dois fatores principais estiveram na origem da crise do regime
fordista, ambos ligados ao sucesso da acumulação e às
contradições resultantes. O primeiro foi a reaparição,
em
1974-75, da primeira crise "clássica" de superprodução
e de
superacumulação depois da Segunda Guerra Mundial. O segundo
foi a reconstituição das bases econômicas e sociais
de um capital
financeiro poderoso, a quem pareceu mais e mais intolerável a
força dos trabalhadores assalariados e de seus sindicatos, o nível
de gastos com o "Welfare State" e a taxação sobre o capital
e as
altas rendas pessoais. Em 1979-80, a "revolução conservadora"
levou ao poder os representantes políticos desse capital financeiro
redivivo. A partir das políticas de liberalização
e
desregulamentação levadas a cabo pelos países do G7,
pelo Gatt
e pelo FMI, com o estímulo de Reagan, de Thatcher e do
monetarismo triunfante, consolida-se o atual regime de
acumulação.
2. Que papel desempenha o capital financeiro nesse processo?
O regime de acumulação mundializado sob égide financeira
vive,
muito mais do que em 1914 ou 1929, à sombra de um capital
financeiro altamente concentrado. A mundialização financeira
tornou a ser ao menos tão importante quanto a mundialização
do
capital produtivo. As carteiras de investimento são novamente tão
ou mais importantes que o investimento direto. Nisso, o regime
atual está mais próximo do imperialismo clássico.
É claro que, em
comparação com o começo do século, sua configuração
modificou-se sob vários aspectos, mas alguns dos aspectos
"novos" vão no sentido de um aprofundamento de traços
"clássicos". As diferenças dizem respeito ao papel mais importante
ora desempenhado pelos investimentos diretos no exterior e pelas
operações dos grupos industriais transnacionais na organização
dos fluxos comerciais; novo também é o grau crescente de
interpenetração de capitais de origens nacionais diversas
nos
países centrais. Mas há semelhanças notáveis,
que respondem
pela reconstituição dos fluxos de rendas financeiras internacionais,
que transitam por intermédio dos mercados financeiros ditos
"emergentes".
Neste novo regime, o capital financeiro cuja eutanásia era
esperada por J. M. Keynes, reconstituiu-se em escala gigantesca.
Ao lado das figuras tradicionais da oligarquia financeira, houve
ainda a formação dos fundos de pensão e dos fundos
de
aplicação ("mutual funds") contemporâneos. Mas essa
institucionalização e "democratização" do capital
financeiro em
nada altera suas características econômicas básicas.
Trata-se de
um capital financeiro "puro", que conserva a forma do
"capital-moeda" (Marx) e que manifesta forte "preferência pela
liquidez" (Keynes). Ele se dedica à valorização financeira
pura do
capital por meio da administração de carteiras de ativos
financeiros (sobretudo de letras dos Tesouros nacionais e de
ações). Este capital vive de retiradas sobre a riqueza criada
na
produção, transferidas por meio de circuitos que podem ser
diretos (dividendos sobre o lucro de empresas) ou indiretos (juros
de obrigações públicas e empréstimos aos Estados,
que por sua
vez representam retiradas sobre a renda primária circulando no
sistema de impostos).
Graças a essas retiradas, as relações de força
entre o capital
industrial e o capital financeiro "puro" modificaram-se claramente,
com vantagem para o segundo. Essas relações são muito
mais
desiguais do que em 1914 ou 1929. Estamos portanto diante de
um retorno ao imperialismo clássico, bem como de um reforço
de
seus traços fundamentais. O capital financeiro "puro" sempre teve
fortes traços parasitários, e hoje também são
muitas as suas
ligações com o narco-capital e outras fontes "ilícitas".
3. Quais são os efeitos positivos da globalização?
As transformações do regime de acumulação não
têm nada de
irreal. O discurso sobre a "mundialização dos benefícios"
é a
cobertura ideológica que busca mascarar os fundamentos do
regime de acumulação financeiro-rentista, bem como seu pobre
desempenho em termos de desenvolvimento, revelado pelo último
relatório do Unctad. Não há muito como negar o fato
de que o
novo regime de acumulação permite ao capital explorar a fundo
e
para seu exclusivo benefício as vantagens da liberalização.
Nós
não estamos diante de uma miragem.
Os observadores sérios têm notado que a economia mundial
voltou às taxas médias de crescimento semelhantes às
dos tempos
do imperialismo "clássico", antes do interregno dos "30 anos
gloriosos". Por trás deste crescimento fraco encontra-se uma
queda regular das taxas de investimentos, com muitos anos de
investimentos nulos ou negativos. Isto é perfeitamente coerente
com uma configuração do capital na qual há supremacia
da fração
que se valoriza por via financeira e com uma situação em
que o
capital financeiro se beneficia de transferências de enormes
massas de riqueza. Essa baixa dos investimentos corresponde a
dois grandes processos: a adaptação da oferta a uma demanda
efetiva que sofreu um enfraquecimento contínuo de dois de seus
componentes -o consumo dos assalariados e as despesas
públicas- e dominação de estratégias empresariais
em que as
reestruturações (o "re-engineering") prevalece sobre a criação
de
novas capacidades.
Num quadro de tensões comerciais crescentes entre as principais
potências industriais, o capital tomado como um todo
simplesmente administrou a situação por meio da concentração
e
de um novo impulso monopolista. As vagas sucessivas de
fusões-aquisições serviram para adiar as consequências
da
superprodução transferindo para os grupos industriais mais
fortes
as parcelas de mercado dos grupos adquiridos, os quais são logo
absorvidos e rapidamente reestruturados com reduções
importantes de efetivos nos países de implantação
das filiais. Os
processos de fusão-aquisição revelam estratégias
voltadas, não
para a criação de novas capacidades produtivas, mas para
sua
reestruturação e, mais frequentemente ainda, para sua contração
em termos de emprego. Este processo tem reduzido em níveis
constantes o número total de grupos industriais em escala mundial,
instituindo o oligopólio mundial como forma predominante de
estrutura de oferta.
A administração da superprodução crônica
latente por meio da
concentração industrial doméstica e transnacional
não poderá
prosseguir infinitamente. As estratégias de concorrência
oligopolística são de natureza a agravar a situação
de capacidade
ociosa. É o caso da indústria automobilística, por
exemplo, onde a
rivalidade oligopolística recentemente tomou a forma de decisões
de investimento maciço, para os quais não existirá
mercado
correspondente tão logo as novas capacidades produtivas entrem
em operação.
4. Quais são os limites da globalização?
A modalidade atual de "desenvolvimento", compreendido como
extensão e transplante do nível de industrialização
e do nível de
vida dos países avançados não representa mais uma
perspectiva
viável para o conjunto dos países e continentes do mundo.
Por um
lado, já não é desejado por aqueles que outrora foram
seus
agentes externos (os grandes grupos industriais); por outro,
conhecemos seus limites ecológicos incontornáveis, uma vez
que
os países avançados não querem renunciar a seus privilégios.
5. Quais os riscos de os Estados perderem autonomia e se
tornarem apenas cumpridores das decisões de órgãos
como a
OMC (Organização Mundial do Comércio)?
Não há quase nada a se esperar das organizações
internacionais,
e menos ainda da Organização Mundial do Comércio.
Nas fases
finais da Rodada Uruguai, os EUA e os lobbies industriais dos
quais os norte-americanos são porta-vozes fizeram triunfar uma
"agenda além das fronteiras". Sem que os Parlamentos e, em
certos casos, sem que os próprios governos tivessem consciência
no momento da assinatura e ratificação do Tratado de Marrakech,
teve lugar um crucial abandono de soberania dos países em favor
da OMC e, por extensão, aos interesses capitalistas mais
poderosos.
Com efeito, qualquer exportador pode agora questionar supostos
"entraves à liberdade de comércio", isto é, medidas
tomadas pelos
Estados no campo da saúde, do controle de qualidade de
alimentos, da preservação ambiental etc. Para tanto, basta
entrar
com um recurso diante do novo órgão de regulamentação,
cujos
"juízes" são árbitros comerciais privados adeptos
da noção de que
a "liberdade de comércio" deve prevalecer sobre qualquer outro
princípio, e cujas decisões finais não podem ser desobedecidas
senão com o aval unânime de todos os países membros!
O objetivo do Acordo Multilateral sobre o Investimento, em fase
de elaboração, é o de estender os mesmos princípios
ao
investimento estrangeiro, garantidos pelo mesmo sistema de
regulamentação, o que acabaria por tornar caducas todas as
disposições jurídicas e mesmo constitucionais de controle
do
investimento, assim como toda e qualquer medida de política
industrial voltada seja lá de que maneira para o estímulo
à indústria
nacional. Os grandes grupos industriais querem total liberdade de
ação, sem qualquer entrave. Se o Acordo Multilateral vier
à luz, a
abdicação de soberania em favor dos grandes interesses
capitalistas serão quase totais. Em nome da panacéia do mercado,
dar-se-á um golpe de Estado legal e em escala mundial, para
maior benefício dos mais ricos e poderosos.
6. Quem ganha e quem perde com a globalização?
Como disse Robert Reich (ex-secretário do Trabalho do governo
Clinton) em seu livro de 1991, a mundialização é uma
modalidade
de funcionamento do capitalismo na qual "os ricos ficam mais ricos
e os pobres ficam mais pobres". Mecanismos de integração
seletiva triam aqueles países mais atrativos do ponto de vista da
valorização do capital e aqueles que não o são.
Mas os países não
são entidades homogêneas. Todos eles estão divididos
em classes
sociais de interesses econômicos diferentes e com frequência
antagônicos. Reich identificou bem quais categorias profissionais
e
quais camadas sociais saem perdendo ou ganhando no país que
domina o movimento de mundialização financeira. As instituições
criadas após a crise de 1929 e a Segunda Guerra Mundial haviam
estabelecido limites ao poder do capital, e assim representavam
um ponto de apoio para os assalariados diante de seus
empregadores. A liberalização trazida pela "revolução
conservadora" conseguiu enfraquecer fortemente essas
instituições, quando não as destruiu.
Nos países em que a grande propriedade agrária, ao lado de
relações de trabalho típicas das formas de exploração
pré-industriais, não foi erradicada e, pelo contrário,
deu origem a
oligarquias agro-financeiras consolidadas em torno a sistemas
bancário-usurários fortemente hipertrofiados, o "espírito
empreendedor" teve as maiores dificuldades em se difundir. O
Estado "desenvolvimentista" foi uma tentativa de suprir essa
ausência e estimular a formação de uma classe capitalista
moderna. No quadro de uma mundialização na qual a liberalização
permite que os grandes grupos industriais estrangeiros
competitivos produzam e vendam sem entraves, na qual as
inversões financeiras têm rendimento superior aos investimentos
produtivos, o reflexo patrimonial triunfa outra vez. A
desnacionalização da indústria (ou a desindustrialização
pura e
simples) encontra apologistas nos mais altos escalões do Estado.
A uma dominação cujos elos estavam nas academias militares
estrangeiras sucede um regime mais "civilizado", de integração
subordinada ao regime mundial. Suas engrenagens são as grandes
universidades, os bancos estrangeiros e os grandes organismos
econômicos e financeiros mundiais em Washington ou Genebra.
Uma página da história social das nações foi
virada.
Nota:
1. Os franceses utilizam o termo "mundialização" em referência
ao processo
de globalização. Foi mantida, na tradução,
essa particularidade.
Tradução de Samuel Titan Jr.
do Conselho Editorial
A globalização produziu, pelo menos em matéria de
comércio
internacional, um dilema que lembra a propaganda dos biscoitos
Tostiness, aqueles que ninguém sabe se vendem mais porque são
fresquinhos ou se são fresquinhos porque vendem mais.
Idêntica questão cerca os acordos comerciais regionais, como
o
Mercosul: grandes especialistas em comércio internacional e até
as
entidades que o supervisionam não têm certeza se os blocos
são
apenas etapas necessárias e positivas na direção de
um mundo
sem barreiras ou se minifortalezas que, no limite, impedirão a
queda de todas as fronteiras.
Esse dilema ocupa lugar de destaque na agenda do italiano Renato
Ruggiero, diretor-geral da OMC (Organização Mundial do
Comércio), entidade que funciona como uma espécie de
superxerife do comércio planetário.
Ruggiero repete sempre que um dos grandes desafios para a
OMC é "assegurar que os obstáculos nacionais (ao comércio)
não
sejam simplesmente substituídos por obstáculos regionais".
Traduzindo: impedir que países como o Brasil, antes fechados,
derrubem barreiras que constavam de suas regras internas apenas
para reerguê-las mais adiante via mercado regional.
Ruggiero acha que blocos regionais podem, sim, funcionar como
etapas para um mundo sem fronteiras, desde que pratiquem o que
o jargão designa como "regionalismo aberto". Ou seja, desde que
cada bloco não se feche em si mesmo, mas vá estendendo aos
demais países, paulatinamente, as facilidades que concede aos
países-membros.
Se se fizer o contrário, "chegaríamos em não mais
de 20 ou 25
anos a uma divisão do comércio mundial em duas ou três
zonas
preferenciais intercontinentais, cada uma com suas próprias
normas e um regime de livre comércio dentro da zona, mas
continuariam existindo obstáculos externos entre os blocos", diz
Ruggiero.
A definição mais pragmática de um bloco comercial
regional
pertence a Jeffrey Lang, subchefe do USTr, o organismo que
cuida do comércio internacional norte-americano: "Toda vez que
se conclui um acordo comercial que reduz as barreiras entre as
partes, e tais partes não incluem os EUA, os produtores
norte-americanos ficam em desvantagem".
Mudando o nome do país, esse raciocínio pode ser aplicado
por
qualquer autoridade de qualquer nação excluída de
acordos
regionais. Quando o Brasil, em função do Mercosul, reduz
as
barreiras para produtos argentinos, está criando desvantagens
para os produtores de todos os seus demais parceiros.
Os números do Mercosul, entre 1990 e 1995, anos que podem
ser tomados como marcos de sua consolidação, provam a tese:
as
importações que os quatro países que o integram fizeram
de seus
parceiros no bloco cresceram, no período, 218%.
Já as importações provenientes dos dois outros grandes
parceiros
do Mercosul aumentaram bem menos: as provenientes da União
Européia subiram 172%, e, as do Nafta (EUA, Canadá, México),
apenas 150%.
É o que, no jargão do comércio global, se chama de
"desvio de
comércio". Ou seja, ao dar facilidades para que, por exemplo, o
leite argentino La Serenisima entre no Brasil, "desviam-se"
importações de leite suíço, digamos. Ou, na
ponta das
exportações, ao terem facilidades para vender na Argentina,
os
produtores brasileiros podem se sentir menos pressionados a
modernizar-se para poder vender também para o Japão, por
exemplo.
Esse conflito entre globalização e regionalismo é
tão latente que
ganhou a capa da revista britânica "The Economist", no fim de
1996, que analisou os supostos riscos que o regionalismo
representa para o comércio global: "Ao liberalizar o comércio
só
com seus vizinhos, os países estão, por definição,
discriminando
os que não têm a sorte de estar no clube local".
A questão é saber se os "clubes locais" caminham para integrar-se
a outros clubes, de forma que, num futuro não remoto, haja um
grande bloco, do tamanho do planeta, ou se tendem a fechar-se
em três ou quatro grandes conglomerados em guerra comercial
uns com os outros.
A preocupação de Ruggiero, da OMC, não é exatamente
com o
Mercosul ou o Nafta ou nem sequer com a União Européia, o
conglomerado de 15 países que está mais avançado do
que
qualquer outro no processo de integração regional.
É com o projetado casamento entre o que ele chama de
"iniciativas regionais verdadeiramente gigantescas".
É uma designação apropriada para três grandes
hipóteses de
superblocos, a saber:
1) o acordo-quadro entre a União Européia e o Mercosul, que
prevê a criação de uma zona de livre comércio
entre os 19 países
dos dois blocos a partir de 2005;
2) a intenção de 34 países americanos, excluída
só Cuba, de fazer
a mesma coisa no mesmo prazo nas Américas, a Alca (Área de
Livre Comércio das Américas);
3) o projeto da Apec (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico)
de
criar uma zona de livre comércio em duas etapas, a primeira em
2010, e, a segunda, em 2020.
Qualquer dos três projetos que se concretize criará a maior
zona
de livre comércio do planeta.
Nada impede, em tese, que cada uma dessas grandes zonas de
liberdade comercial conflua com as outras e se tenha uma
liberalização de escala planetária.
Mas, diz com razão Ruggiero, "o sistema multilateral carece de um
plano detalhado comparável para a eliminação de todos
os
obstáculos ao comércio".
Na falta de um projeto global, o risco é o de que cada superbloco
se feche para os demais, o que, além do risco de uma guerra
comercial, marginalizaria países gigantescos, como China e Rússia,
que, até agora, não entram em esquema algum.
É sintomático que a União Européia e os EUA
estejam
empenhados em uma surda guerra para ver qual dos dois
consegue fechar antes o acordo com o bloco sul-americano. No
Brasil também há uma surda guerra de argumentos entre os
pró-Alca e os pró-União Européia.
Números pouco provam
As tendências mais ou menos recentes no comércio internacional
não deixam perfeitamente claro se há um predomínio
do regional
sobre o global.
Numa ponta, há uma nítida tendência para a liberalização,
refletida
nos números da própria OMC: quando, em 1948, foi criado o
Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), antecessor da OMC,
23 países estavam presentes. Na primeira conferência da OMC,
no ano passado, em Cingapura, já eram 128 os países
representados, mais 28 na lista de espera.
Mas, simultaneamente à adesão ao organismo multilateral por
excelência, explodem os acordos regionais: já são 76
registrados
na OMC -entre 1985 e 1990, eram cinco os registrados no Gatt.
Daí até 1995, nasceram 33 novos acordos.
Nos quase 50 anos desde o lançamento do Gatt, o comércio
mundial cresceu exponencialmente, passando de US$ 50 bilhões
para US$ 6,1 trilhões. Parece um sinal claro de que o mundo
caminha para passar uma motoniveladora nas barreiras
comerciais. Mas quase dois terços (exatamente 61%) dessa pilha
de dinheiro é comercializada dentro de blocos regionais.
Números que deixam claro que não está dita a última
palavra na
guerra entre os "clubes locais" e a "aldeia global".
(CLÓVIS ROSSI)
do Conselho Editorial
O bom senso manda incluir uma expressão pouco charmosa
("Rodada Uruguai") como um marco no processo de globalização.
A "Rodada Uruguai" começou em 1986 em Montevidéu (daí
o
nome), arrastou-se por quase oito anos e terminou com o mais
abrangente pacote de redução das barreiras ao comércio
planetário. Seu impacto mais visível e até certo ponto
quantificável
surge da redução das tarifas alfandegárias para importações.
O cálculo usual sobre o efeito da liberalização na
economia
mundial é o de um estudo da secretaria do Gatt (Acordo Geral
sobre Tarifas e Comércio, o organismo até então a
cargo de
negociações comerciais). Diz que "os acordos da 'Rodada
Uruguai' darão lugar a um aumento anual da renda mundial
estimado em US$ 510 bilhões, no momento em que, no ano de
2005, seus compromissos estejam plenamente aplicados".
Para comparação: US$ 510 bilhões eram, à época,
tudo o que a
economia brasileira produzia por ano em riquezas, o seu PIB
(Produto Interno Bruto).
Mas a "Rodada Uruguai" foi além da negociação sobre
derrubada
de barreiras para exportar mercadorias. Introduziu na agenda
mundial as chamadas áreas novas do comércio, em especial
o
vastíssimo campo de serviços. É uma rubrica que cobre
desde
telecomunicações a transporte marítimo, passa por
serviços
financeiros e atinge até compras governamentais, rótulo oficial
para as licitações que todo governo faz para comprar lápis
ou
pontes.
A "Rodada Uruguai" não fechou acordo algum na área de
serviços, mas estabeleceu uma agenda de negociações
que vai até
o ano 2000. Já foi assinado, este ano, acordo para abrir o
mercado de telecomunicações, se não o maior, pelo
menos o mais
rico bastião das empresas estatais.
Também já foi assinado acordo que prevê derrubar, até
2000,
todas as barreiras para a importação de equipamentos/serviços
de
tecnologia de informação (ou informática).
O impacto da liberalização no setor de serviços tende
a superar,
com muita folga, o da derrubada das barreiras para mercadorias.
Trata-se, afinal, do setor mais dinâmico da economia mundial e,
acima de tudo, do único que ainda gera empregos, ante a
estagnação (às vezes declínio) da indústria
e a mecanização da
agricultura, que se torna crescentemente irrelevante do ponto
nesse ponto de vista.
Para comparação: as exportações de serviços
comerciais, no ano
passado, foram de US$ 1,17 trilhão, mais do que o dobro do que
o mundo exportou em mercadorias (US$ 525,4 bilhões).
O que a "Rodada Uruguai" não alterou é o fato, clássico,
de quem
dita a agenda são os países ricos.
É sintomático que, enquanto se fecham acordos sobre temas
ditos
novos (telecomunicações, informática etc), permanecem
emperradas as negociações sobre o mais antigo bem
transacionado internacionalmente, os produtos agrícolas.
A "Rodada Uruguai" introduziu, é verdade, modestas aberturas
nessa área, mas jogou as negociações definitivas para
o ano 2000.
Motivo óbvio: tanto EUA como a União Européia subsidiam
generosamente seus produtores agrícolas e recusam-se a abrir
seus mercados para a competição com produtos do mundo
subdesenvolvido ou em desenvolvimento.
Por trás dos países ricos, há um número relativamente
pequeno de
empresas transnacionais que determinam a agenda. Não se trata
de teoria conspiratória da esquerda, mas de fatos e números.
O
comércio entre filiais e matrizes de multinacionais representa
aproximadamente 1/3 do comércio mundial, e as exportações
das
multis a companhias que não são subsidiárias delas
cobrem outro
terço.
Essa concentração de poder econômico "pode limitar
a
concorrência, reduzindo, assim, os ganhos para os consumidores
e as economias nacionais" (decorrentes da globalização),
diz
relatório da Consumers International, grupo global de defesa dos
consumidores. O relatório escancara, no fundo, a grande carência,
seja da "Rodada Uruguai", seja da OMC: não abriram lugar à
mesa de negociações para os consumidores, que tanto podem
ser
as vítimas como os beneficiários da globalização.
(CLÓVIS ROSSI)
JOSIAS DE SOUZA
Secretário de Redação
A tela da CNN exibia duas cenas. Em quadro maior, no canto
superior, o presidente Bill Clinton recepcionava seu colega chinês
Jiang Zemin, que visitava os EUA. No canto inferior, Alan
Greenspan, presidente do Federal Reserve, falava sobre o crash
mundial das bolsas.
Súbito, as câmeras concentraram-se em Greenspan. Por instantes,
Clinton e Zemin sumiram do vídeo. A especulação financeira
havia
subvertido a hierarquia. O mundo não queria senão ouvir
Greenspan. Dependendo do que dissesse, as bolsas poderiam
subir ou continuar em queda livre.
A semana passada deixou, em seu rastro, uma indagação: quem
pode mais, o Estado ou o sistema financeiro internacional, esse
fantasma do capitalismo globalizado?
O triunfo de 1989, ano em que o Muro de Berlim ruiu, parecia tão
definitivo que chegou-se a preconizar o fim da História. Os três
volumes de "O Capital" foram como que empurrados para o
fundo da estante. Obras como "Caminho da Servidão", do
economista austríaco Friedrich August von Hayek, espécie
de
guru do neoliberalismo, ganharam viço.
Em 1995, porém, quando tudo se encaminhava para a
consolidação da onda liberal, o capitalismo começou
a investir
contra si próprio: vieram a crise do México e a quebra do
Banco
Barings, da Inglaterra. Agora, o crash das bolsas.
A Brasília da última sexta-feira, gabinetes em brasa, tonificava
a
sensação de que países como o Brasil, ditos "emergentes",
não
estão mesmo à salvo dos chamados ataques especulativos.
Sob os efeitos da globalização, um vírus inoculado
na Bolsa de
Hong Kong espraia-se pelo mundo. Na quinta-feira, 24 horas
depois da fala de Greenspan, Sônia Regina de Oliveira, 44, viu-se
obrigada a adiar a compra a prazo de uma TV.
Na véspera, Brasília dobrara as taxas de juros -recurso extremo
para tentar seduzir os capitais especulativos que batiam em
retirada. Um dos efeitos colaterais foi a alta dos crediários. Assim,
a crise iniciada em Hong Kong invadiu o cotidiano de uma dona
de casa no Rio de Janeiro.
Diz-se, em benefício do capitalismo, que alguns países, o
Brasil
entre eles, estão sob risco justamente porque não seguem
à risca
o receituário liberal. Encontram-se às voltas com sobrevalorização
da moeda, déficits em suas balanças de pagamento e despesas
públicas maiores do que as receitas.
No Brasil, o Estado liberal é confundido com Estado fraco. O
acervo intelectual do liberalismo ensina algo bem diferente.
Em "Investigação sobre as Causas da Riqueza das Nações",
por
exemplo, Adam Smith dizia, já em 1776, que a economia de
mercado deve respeitar o interesse individual, assegurado pelo
estado de direito. Os movimentos da última semana evidenciaram
que o interesse que move a gangorra das bolsas não é o do
cidadão, mas o da especulação.
do Conselho Editorial
O presidente da República, Fernando Henrique Cardoso,
reconhece que a globalização "limita efetivamente o âmbito
de
ação dos Estados nacionais".
Primeiro como ministro da Fazenda e agora como presidente, o
sociólogo está na posição ideal para avaliar
até que ponto a teia
de relações e acordos internacionais reduz as possibilidades
de
cada governo impor as regras.
Ele vai ao extremo para mostrar como a integração econômica
esvazia o poder dos Estados nacionais: "Os países europeus estão
discutindo uma moeda única. Moeda única significa obviamente
que os Bancos Centrais não vão ter mais capacidade de definir
a
taxa de câmbio. É um instrumento de defesa de certos setores
da
economia que os Estados nacionais perdem".
A perda não é apenas dos Estados, mas também dos atores
que,
historicamente, exerceram maior influência sobre as políticas
públicas. A Fiesp (Federação das Indústrias
do Estado de São
Paulo) sempre foi tida como um poderoso lobby a influenciar
determinadas políticas. Agora, já não é tanto
assim, defende o
editorial de agosto da revista da consultoria Trevisan.
"Reformas e mudanças estão ocorrendo no país e vão
continuar
cada vez mais porque os capitais estrangeiros e os acordos com
blocos econômicos passaram a ditar as regras e estabelecer as
condições para investimentos e trocas no comércio
internacional",
diz o texto.
Há até quem ache que Genebra é tão importante
quanto Brasília
para definir as políticas que o governo brasileiro pode ou não
adotar. Exemplo: a primeira política para o setor automobilístico
ensaiada pelo governo FHC foi derrubada não pelo Congresso,
mas pela OMC, sediada em Genebra. Motivo: criava um sistema
de cotas que contraria as regras da OMC.
Até a única superpotência remanescente, os Estados
Unidos,
tiveram sua margem de manobra limitada pela OMC, embora, é
óbvio, continuem predominantes.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista com o presidente.
(CR)
Folha - Um dos conceitos mais difundidos sobre
globalização diz que ela provoca uma perda de capacidade
de os Estados nacionais executarem políticas fortes. Alguns
até acham que tendem a desaparecer de alguma maneira. O
sr. concorda com esse conceito?
Fernando Henrique Cardoso - Ela limita efetivamente o âmbito
de ação dos Estados nacionais. De todos. Isso é que
é o mais
curioso, porque no passado essas limitações incidiam sobre
os
países subdesenvolvidos, dependentes. Agora, não, é
mais amplo.
Por quê? Nenhum Banco Central, nem o Banco de
Compensações Internacionais (o banco central dos bancos
centrais), consegue controlar essa massa de recursos. É realmente
um processo que limita a capacidade das instituições existentes,
tanto as nacionais quanto as internacionais, de lidarem com o
fenômeno. Agora, essa limitação é dinâmica.
É claro que os Estados nacionais e as entidades internacionais
reagem à nova situação e procuram então colocar
em novo
patamar os seus limites, avançar no sistema de controle de
decisões. Mas que limita, limita. Ainda mais especificamente no
caso da Europa. Os países europeus estão discutindo moeda
única. Moeda única significa obviamente que os bancos centrais
não vão ter mais capacidade de definir a taxa de câmbio.
É um
instrumento de defesa de certos setores da economia que os
Estados nacionais perdem. Por outro lado, estão se constituindo
outros instrumentos.
Eu conversei com o Prodi (Romano Prodi, primeiro-ministro
italiano). A Itália vai ter que se ajustar. Bom, isso é uma
limitação,
mas, se não fizer isso, ela também perde em termos de
competitividade com os outros países europeus. É uma limitação,
então, que pode resultar num acordo positivo, e eles não
vêem a
questão com os olhos da preocupação do Estado nacional,
vêem
com os olhos da população. Vai melhorar a situação
e a Itália vai
ter mais chances.
E não acredito que vá desaparecer o lado nacional. Na Europa,
tem outra tendência: a volta do regionalismo, na Espanha, Itália...
Na Alemanha, não creio. Então haverá uma coisa curiosa
que não
era pensada: as diferenças culturais aparecem com mais força
também. Então, não acho que essa globalização
seja o fim da
história, o fim do Estado. Essas são visões um pouco
simplistas do
processo, precipitadas. A política renasce de outra maneira.
Folha - Uma outra crítica, menos consensual do que a
anterior, é de que o Brasil não está se integrando,
o mundo
é que está engolindo o Brasil.
FHC - É uma velha discussão.
Folha - E tem a frase do Otto Lara Resende de que o Brasil
vai chegar ao Primeiro Mundo para fazer a faxina.
FHC - Eu prefiro uma frase do (Giorgio) Napolitano (atual
ministro do Interior da Itália). Ele disse o seguinte em uma
entrevista: o problema não é saber se existe ou não
internacionalização, o problema é saber se eles vão
nos
internacionalizar ou nós nos internacionalizaremos. Essa frase já
tem uns 10 ou 15 anos, repeti muitas vezes, porque eu a achei
boa.
No governo Geisel, que foi talvez um governo que teve uma
política, mas ainda embasada na idéia de autarquia, nós
todos
criticamos a chamada plataforma de exportação, que eram os
países do sudeste da Ásia. Nós dizíamos que
aquilo era o fim.
Não se percebia que era um sinal de que o comércio internacional
ia ter uma dinâmica muito forte. Nós no Brasil continuamos
apostando no mercado interno. E é claro que, num país
continental como o Brasil ou os Estados Unidos, sempre o
mercado interno vai ser muito mais importante do que o mercado
externo do ponto de vista de volume.
Mas nós não percebemos naquela época que estava havendo
uma
mudança e que nós tínhamos que escolher áreas,
nichos, onde
pudéssemos participar mais ativamente do mercado internacional.
Ainda hoje, quando você olha a pauta de exportação
do Brasil, vê
que ela é pouco dinâmica. Então, o comércio
internacional cresce
com uma velocidade grande e a nossa participação nele não.
Isso
não é só uma questão de política de
governo. Como temos um
mercado interno grande, o nosso empresariado se acomoda e tem
lucros mais facilmente no mercado interno.
Então, você tem que fazer um grande esforço para que
haja uma
abertura de nichos no mercado internacional.
Folha - Mas quais seriam os nichos que o sr. vê mais
adequados para o Brasil?
FHC - Nós temos que preparar a nossa produção não
só para
exportar. É para concorrer aqui dentro com os importados. São
as duas coisas ao mesmo tempo. Concorrer, ou seja, melhorar a
qualidade da produção. Já estão importando
equipamento etc.,
muito bem. Agora, um país, para poder ter viabilidade de longo
prazo, ele tem que produzir coisa que agregue valor. Você olha
nossa pauta de exportação, ela é composta basicamente
ainda de
produtos primários.
Eu não quero dizer com isso que nós devamos não olhar
para
esses produtos. Até pelo contrário. Eu acho que o Brasil
ficou no
pior dos dois grupos, porque industrializou para dentro e
descuidou um pouco da produção agrícola. Os Estados
Unidos
têm uma produção e uma exportação agrícola
enormes. Nós
temos que ter também aqui. A questão, realmente, é
onde você
agrega valor.
A gente pode ganhar tempo com essa produção primária
para que
você possa avançar mais onde agrega valor. Aí você
tem várias
áreas, como, por exemplo, a indústria do espaço. O
Brasil tem
uma posição estratégica fantástica que é
a base aérea de
Alcântara, a base de lançamento de satélites. Tem propostas
bastante importantes chegando aqui de utilização da base
e da
formação e ampliação de uma produção
local da indústria de
espaço.
Folha - 2005 acabou virando uma data cabalística, porque é
a
data fixada tanto para a conclusão da Alca como para a zona de
livre comércio entre Mercosul e Europa. Se o sr. pudesse fazer
uma avaliação, mais como sociólogo do que como presidente,
o
que imagina em 2005? A Alca estaria pronta ou antes se abriria a
zona de livre comércio com a União Européia ou em
vez delas a
Alcsa, a área de livre comércio da América do Sul?
FHC - Eu acho que a Alcsa, certamente. Eu vejo com mais
facilidade essa integração aqui. É mais difícil
com a Europa. Nós
vamos fazer força para que isso aconteça. Também na
Europa há
um componente político na relação Mercosul-União
Européia.
Eles estão se preparando para ser um apoio importante. Onde for
possível avançar, deve-se avançar. Agora, onde não
for possível,
tem que haver compreensão, tem que dar tempo.
Não há dúvida nenhuma que o Brasil vai ser duro nisso.
E acho
que a estabilidade política e até social do continente depende
de
uma relação não tensa entre Brasil e Estados Unidos.
Nós
devemos lutar por esses objetivos: uma relação não
tensa e com
conteúdo também extramercado na jogada. A internacionalizaçao
trouxe o crime internacional e organizado. Lavagem de dinheiro,
narcotráfico. É um problema que, se não houver um
relacionamento correto entre o Brasil e os Estados Unidos,
complica muito.
Folha - Há uma discussão se se vai chegar a um mundo sem
fronteiras. Há até quem proponha 2020 como o ano para
que todas as fronteiras comerciais desapareçam. Em sua
opinião, o que vai acabar prevalecendo, fortalezas regionais
ou mundos sem fronteiras?
FHC - Eu acho que nós vamos ter sub-blocos, mas não vão
ser
fechados. Não tem como fechar por causa dos centros
produtivos. A revolução é o sistema produtivo. Ela
tem a ver com
a telemática, com a informática, a informação
imediata e
simultânea e com o fato de que você pode maximizar em nível
planetário o seu sistema produtivo. Isso é um dado da realidade.
Quer dizer, é um novo tipo de produção que não
é só industrial,
mas que tem como espinha dorsal os meios de comunicação
instantânea e informática. Você pode controlar a produção
da sua
empresa a não sei quantos milhares de quilômetros de distância
e
ter informação on time. Isso não vai mudar. Então
isso não tem
como você fazer barreiras, porque elas caem. Mesmo barreiras
cambiais caem. Manda moeda para cá e para lá.
Nós temos que preparar a população para ter um amplo
espectro
de acomodação às novas funções. Para
ter um espírito de
mobilidade que nós não temos. Os americanos têm, os
europeus
têm menos que nós. Então, isso requer, e essas coisas
estamos
fazendo, botar computador na escola primária, ter um tipo de
formação profissional de outra natureza, mudar os currículos,
ter
mais coragem para mudar o ensino universitário.
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo
Abrimos livros, jornais e revistas, ligamos a TV, vamos ao cinema,
teclamos o computador ou entramos no avião: tudo nos diz que o
mundo está mudando, está menor e mais semelhante. Todos
consumimos os mesmos produtos, vemos as mesmas imagens,
repetimos os mesmos comentários sobre os mesmos fatos e suas
versões. Somos convocados a testemunhar o alvorecer de uma
nova época, a emergência da era da "cultura global", expressão
que, de imediato, nos sugere imagens das mais prosaicas às mais
mirabolantes.
Uma delas, bastante difundida, poderia ser descrita,
simplificadamente, como a visão de um mundo crescentemente
limpo, informatizado, no qual os povos e os indivíduos
beneficiam-se das maravilhas da técnica e cultivam a semente da
consciência planetária que triunfará na aldeia global
do terceiro
milênio.
Aqui, os vertiginosos desenvolvimentos no campo da informática e
das comunicações soam como trombetas de uma revolução.
O
futuro, liderado pela tecnologia, reservaria à humanidade
possibilidades jamais imaginadas, capazes de transformar
profundamente o modo de vida sobre a face da Terra.
Um dos indícios mais eloquentes a prenunciar tal transformação
seria a Internet, da qual deriva a imagem de um mundo organizado
segundo a estrutura de uma rede. No dizer de Nicholas
Negroponte, autor do eufórico "A Vida Digital", a comunidade de
usuários da Internet "vai ocupar o centro da vida cotidiana" e a
demografia da rede "vai ficar cada vez mais parecida com a do
próprio mundo".
Para o autor, a chamada supervia da informação já
é bem mais do
que um atalho para consultas à biblioteca do Congresso
norte-americano: "Ela está criando um tecido social inteiramente
novo e global".
Menos entusiasmada, mais politizada (e também mais
decepcionada), uma outra imagem contrapõe-se à do mundo-rede
informatizado. Aqui, a noção de cultura global é vista
como
resultado da extensão de uma determinada cultura aos limites do
globo. Um mesmo sistema de crenças, hábitos, comportamentos
e
representações expande-se sobre a Terra, suplanta as fronteiras
nacionais, subjuga a heterogeneidade e impõe-se como totalidade
uniformizada.
A globalização cultural é tomada como peça
ideológica de uma
estratégia de domesticação em escala planetária,
que resultaria na
configuração de um mundo integrado e organizado nos moldes
de
um gigantesco Estado-nação.
Para que esse processo exista é necessário imaginar um centro
irradiador, cuja hegemonia econômica, tecnológica e cultural
poderia ser coroada com a conquista final do planeta. Seu nome é
conhecido: imperialismo capitalista.
O imperialismo, liderado no século 19 pela Inglaterra, é
representado no século 20 pelos Estados Unidos da América,
cuja máquina ideológica, aliada a interesses econômicos
e
militares, marcharia sobre a Terra, destruindo as manifestações
culturais 'àutênticas", para impor seu domínio. Nas
palavras do
ex-terrorista italiano Antonio Negri: "A constituição do
Império
está se desenvolvendo sob nossos olhos".
Essas duas visões do futuro mundial parecem ocupar,
esquematicamente, extremos da discussão sobre a atual fase da
internacionalização e seus desdobramentos. Ambas, diga-se,
fazem referência a processos reais, que não devem ser ignorados.
Realmente, nenhum olhar poderá apreender as transformações
por que passa o mundo sem ver o papel desempenhado pela
informática, pela robótica, pelas comunicações
por satélite, pela
Internet e pelos modernos meios de transporte.
Da mesma forma, seria impossível ignorar que os
norte-americanos dominam a indústria cultural em escala
internacional e vendem sua cultura e seus produtos nos quatro
cantos do mundo.
Alguns fatos, porém, conspiram tanto contra o fetiche e a apologia
da técnica quanto o determinismo militante.
Como observa Renato Ortiz em seu livro "Mundialização e
Cultura", o clima de euforia da literatura sobre meios de
comunicação e informática incorre em simplificações
e traz de
volta a atitude do homem do século 19, quando afluía às
exposições universais, "extasiando-se com as maravilhas dos
inventores: fonógrafo, elevador, esteira rolante, automóvel".
É humano que a fantasia responda a estímulos -e são
muito
estimulantes as novidades científicas antes de estarem
concretamente incorporadas à vida social. É também
muitas vezes
incontível, ante as façanhas tecnológicas, a tentação
de investi-las
de faculdades como "formar um novo tipo de indivíduo", "moldar
a consciência" ou "revolucionar o planeta".
Por outro lado, não são menos simplificadoras algumas evidências
recorrentes de que a cultura norte-americana impõe-se ao mundo
para moldá-lo à sua imagem e semelhança.
Um dos exemplos mais corriqueiros da inexorabilidade dessa
americanização em escala mundial é a rede de lanchonetes
McDonald's, embora a difusão da pizza italiana e da comida
chinesa alcancem as mesmas proporções -livres, no entanto,
da
acusação de destruir hábitos alimentares autóctones
e autênticos.
A defesa da autenticidade cultural, subjacente ao ataque
antiimperialista, é frequentemente sentimentalista e nostálgica.
Traz
à tona mitos de acolhimento, calor humano e proximidade que,
como ironiza Mike Featherstone, em "O Desmanche da Cultura",
sugerem a segurança mítica de uma infância deixada
para trás.
É natural que nesse mundo transtornado pela internacionalização
e
pelo caos informativo venha à tona a nostalgia da comunidade
integrada, que ancora o indivíduo num espaço físico,
afetivo e
simbólico determinado. É esse lugar perdido -onde as relações
sociais baseiam-se no face a face e onde florescem formas
culturais "verdadeiras"- que muitas vezes se convoca
subliminarmente para demonizar a expansão ocidental.
Nessa modalidade de ecologia social o discurso preservacionista
oscila de microculturas étnicas a grandes culturas nacionais,
passando por classismos e regionalismos. Curiosamente,
entretanto, uma das características importantes do que se entende
hoje por cultura global é justamente a maior visibilidade de
manifestações étnicas, regionalistas ou oriundas de
sociedades
"excluídas" -do cinema iraniano à literatura africana.
Talvez nunca as nações ocidentais tenham-se visto, como hoje,
na
contingência de conviver com a diversidade cultural no interior de
suas próprias fronteiras. Se a "invasão americana" é
um tema
importante na pauta da esquerda das periferias, a "invasão do
Terceiro Mundo" também o é para a direita dos países
centrais.
Tome-se o caso exemplar da "world music", modo como passou
a ser designado, inicialmente nos EUA, um conjunto relativamente
heterogêneo de formas musicais originárias de diversas regiões
do
planeta. A rigor, essas músicas têm em comum apenas a
vinculação a situações étnicas ou localistas,
ainda que possam
adotar procedimentos da modernidade: é o canto árabe, é
a toada
brasileira, são as misteriosas vozes búlgaras, as cantoras
de
Okinawa ou os batuques africanos.
Note-se que o rótulo, amplo para abarcar manifestações
de todos
os continentes, convive, nas prateleiras dos magazines, com
categorias tradicionais, de gênero ou origem, tais como bossa
nova, jazz latino, pop inglês ou reggae jamaicano.
Essa sobreposição é sugestiva e ajuda a compreender
o estágio
atual da mundialização cultural: um processo em curso, sugerido,
mas não concluído, no qual formas culturais nacionais ou
locais
entram crescentemente em contato, desterritorializam-se, geram
mediações e criam "terceiras culturas".
As "terceiras culturas", na definição de Featherstone, são
um
"conjunto de práticas, conhecimentos, convenções e
estilos de
vida que se desenvolvem de modo a se tornar cada vez mais
independentes dos Estados-Nação".
Dessa forma, retornando ao exemplo da alimentação, o sushi-bar,
o ligue-pizza, o delivery chinês ou o Big Mac já não
podem ser
vistos a partir de seus antigos vínculos orgânicos com as
culturas
de origem ou Estados-Nação. Passam a fazer parte de uma
cultura culinária "fast-food", à qual pode-se recorrer com
naturalidade, na China, no Uruguai ou nos EUA. Uma culinária
desterritorializada, que transita por um novo (e sobreposto)
"território" -que pode ser designado de global.
"Terceiras culturas" formam-se como mediação em diversas
áreas
e põem em xeque a idéia de que as vítimas periféricas
da ofensiva
do Império têm apenas duas alternativas -deixar-se subjugar
ou
erguer fortalezas para evitar sua incorporação à modernidade
ocidental.
A exposição, por exemplo, dos negros das periferias urbanas
brasileiras ao contato com a cultura norte-americana não gera
simplesmente a destruição do samba 'àutêntico"
e a difusão de
clones domésticos de Pai Tomás. Pode engendrar, como
acontece de fato, subculturas de contestação, nas quais
informações do rap ou do funk mesclam-se a referências
locais e
geram uma terceira forma -eis aí, por sinal, o princípio
da
Antropofagia, a estratégia do modernista Oswald de Andrade
para a inserção brasileira na cultura mundial.
Não se deve perder de vista que, em muitas oportunidades, a
própria cultura dita autêntica torna-se, por processos internos,
um
simulacro inofensivo de autenticidade (como os desfiles das
escolas de samba), revelando-se inoperante para expressar novos
anseios e realidades. Aqui, o elemento estrangeiro pode vir a ter,
a depender do modo de apreensão, um papel revitalizador.
É, portanto, duvidosa a idéia de que o imperialismo cultural
simplesmente suprime as culturas locais para implantar em seu
lugar a face do destruidor. Essas teorias, em comum com outras
que apregoam a uniformização sem arestas da indústria
cultural,
imaginam a vigência de um sistema monolítico, capaz de manipular
platéias em escala planetária. Tendem também a considerar
os
efeitos negativos dos meios modernos evidentes por si próprios.
Seja qual for a perspectiva que se adote, o fato é que está
em
curso uma nova etapa da internacionalização, embora seu futuro
permaneça em aberto. Não há dúvida de que o
mundo, finito e
cognoscível, é cada vez mais percebido, ele mesmo, como um
lugar; não há dúvida de que, paralelamente às
culturas nacionais,
gera-se uma cultura "global", na qual indivíduos dos quatro cantos
do planeta podem minimamente se reconhecer; não há dúvida
de
que essa cultura global deriva da intensificação dos contatos
entre
povos e civilizações, por sua vez vinculada à expansão
econômica
e técnica.
Se o mundo, entretanto, como resultado desse processo, será o
território de um único grande império, se encontrará
mediações
para a convivência multicultural ou se será abalado por novos
cismas e cataclismas -isso, só o tempo dirá.
CÉLIA DE GOUVÊA FRANCO
da Reportagem Local
O filme publicitário começa com meninos jogando futebol na
rua.
Logo essas cenas passam a ser intercaladas, de forma simétrica,
com imagens de Ronaldinho jogando pela seleção brasileira.
Ronaldinho dribla um jogador, um menino dribla outro menino;
Ronaldinho rouba a bola, o lance se repete com os meninos. Até
que Ronaldinho faz um gol, e um dos meninos acerta uma bolada
na janela de um carro, quebrando-a.
Uma típica cena brasileira usada para vender uma marca
americana, a Nike? Mais do que isso, essa é a descrição
de um
anúncio criado por uma agência norte-americana, a Wieden &
Kennedy, para vender no Brasil os produtos de uma empresa
também norte-americana, a Nike, fabricados em um país asiático,
como Vietnã ou Indonésia.
Com um faturamento de US$ 9,2 bilhões no ano fiscal terminado
em maio de 1997, a fabricante de roupas e calçados esportivos
Nike acabou se tornando, nos últimos anos, um dos melhores
exemplos de uma empresa global, por sua estratégia de produção
e de uso intensivo dos instrumentos de marketing.
A Nike não é dona de nem sequer uma fábrica, não
emprega
nenhum operário, não tem nenhuma máquina.
Toda a sua produção é feita sob encomenda em fábricas
que
pertencem a outras empresas, a partir de modelos de tênis
desenhados por especialistas nos Estados Unidos.
Atualmente, cerca de 80% dos calçados Nike são feitos em
fábricas de cinco países asiáticos: Vietnã,
Indonésia, China,
Coréia do Sul e Taiwan.
A empresa nunca teve fábricas. Por isso tem condições
de mudar
o local de fabricação dos seus produtos com enorme facilidade
se
julgar que é mais vantajosa a produção em outro lugar
-o que não
seria possível se tivesse investido na construção
e na instalação de
fábricas.
Nos últimos cinco anos, como resultado dessa política, a
Nike
desistiu de fazer negócios com 20 fábricas na Coréia
do Sul e em
Taiwan, países onde os salários dos operários subiram,
e passou a
operar com 35 novas fábricas na China, na Indonésia e na
Tailândia, onde os salários são bem mais baixos.
Além dessa mobilidade, outra característica marcante de uma
empresa globalizada que fica evidente na Nike é o investimento
pesado em marketing.
"Nós não sabemos nada sobre indústria. Entendemos
de
marketing e design", explica Neal Lauridsen, vice-presidente da
Nike para a região asiática, citado no livro "Global Dreams",
de
Richard Barnet e John Cavanagh, dois especialistas americanos
em globalização.
Usualmente, a empresa -ou as companhias que a representam em
um determinado país ou região- investe pelo menos 10% do
seu
faturamento na divulgação da sua marca, que se tornou tão
conhecida que hoje é dispensável o nome Nike nas campanhas
publicitárias. Bastam o slogan "Just Do It" e a logomarca.
Patamar
Empresas globais estão um passo adiante -ou muitos passos
adiante- das multinacionais.
Existe muita polêmica entre economistas e cientistas sociais sobre
as melhores definições para companhias multinacionais,
transnacionais e globais, que variam conforme a posição,
até
política, de cada um sobre globalização.
Para Gilberto Dupas, consultor de empresas e especialista no
tema globalização, haveria um certo consenso de que não
há, de
fato, diferenças entre o que é uma empresa multinacional
e uma
empresa transnacional.
A definição desses dois conceitos seria a de um agente econômico
produtor de bens ou serviços, cuja base de produção
esteja em
mais de um país e/ou o mercado seja mais do que um único
país,
explica Dupas.
Já uma empresa globalizada ou global seria aquela que opera
seguindo uma lógica operacional mundial, cujo objetivo seja
maximizar benefícios e minimizar custos não importando onde
esteja a base de produção e que obedeça uma estratégia
de
marketing única para todos os países onde vende seus produtos.
Um exemplo disso seria a Coca-Cola, cita Dupas.
Para ele, ainda não existe nenhuma empresa brasileira que mereça
o rótulo de global. "Um exemplo do que poderia ser uma empresa
brasileira globalizada seria um fabricante de sapatos que vendesse
seus produtos em um grande número de países e que os
fabricasse onde os custos de produção fossem os menores.
Seria
uma Azaléa multiplicada por 10."
Outros especialistas diferenciam uma multinacional de uma
transnacional. Um estudo recente da União Européia sobre
a
globalização da tecnologia e da economia, por exemplo, chega
à
conclusão que o que diferenciaria os dois conceitos seria o
mercado alvo para seus produtos.
No caso de uma empresa transnacional, o mercado seria uma
determinada região do mundo, como a Europa, enquanto para
uma multinacional o mercado seria o planeta inteiro.
Uma característica essencial da empresa global atualmente seria
a
facilidade para identificar locais onde existam as condições
mais
atraentes para suas operações. Ficou muito mais fácil
tomar
conhecimento sobre as condições de trabalho em um determinado
país e compará-las com a situação em outras
partes do mundo.
Com os serviços de informação on line, por exemplo,
o aumento
nas taxas de juros adotado por um governo (que tende a
encarecer os custos de produção e a favorecer as aplicações
financeiras) chega ao conhecimento dos investidores e
empresários de forma imediata.
Somada à crescente desregulamentação não só
dos mercados
financeiros, mas também em outras áreas, inclusive no que
se
refere à legislação trabalhista, ficou praticamente
liberada a
movimentação de capital, trabalho e bens entre os países.
O exemplo já clássico é, de novo, a Nike. Como a empresa
não
possui fábricas, não tem dinheiro investido em máquinas
e imóveis
nem emprega diretamente operários e gerentes das fábricas.
Qualquer tendência de elevação dos custos de produção
em um
determinado país pode levar a empresa a trocá-lo por um outro
onde seja mais barata a fabricação dos seus calçados.
Um dos efeitos esperados da crise dos mercados financeiros das
últimas semanas é um rearranjo de investimentos em fábricas,
passada a rodada de aumento de juros e desvalorização de
moedas. Investimentos previstos para um país poderão ser
cancelados, por exemplo.
Nova onda de invasão
Como consequência da facilidade de mudar de um país para
outro, nunca teria havido uma tendência tão forte quanto a
atual
de grandes grupos internacionais "invadirem" outros países e
comprarem empresas locais ou de transferirem suas bases de
operação de um país para outro.
Dados do PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais)
mostram, por exemplo, que em 1996, na França, 3.400 pequenas
e médias empresas foram vendidas. Nos Estados Unidos,
ocorreram 10 mil operações de fusão e incorporação,
movimentando mais de US$ 600 milhões.
No Brasil, no primeiro semestre deste ano, ocorreram 172 fusões,
incorporações e joint ventures, segundo a empresa de consultoria
KPMG Peat Marwick, indicando um aumento de 25% em
relação aos seis primeiros meses de 1996.
"No circuito das chamadas empresas transnacionais, o
investimento em fábrica deixou de ser privilegiado. A prioridade
passou a ser investir em marcas. Muitas vezes, a empresa global
compra uma companhia local apenas para ganhar uma fatia do
mercado, por causa da marca", diz Helio Mattar, presidente da
GE-Dako, a empresa formada no ano passado, quando o grupo
norte-americano GE comprou uma participação majoritária
na
fábrica de fogões Dako, de Campinas (SP), líder de
mercado.
Hoje, as empresas transnacionais ocupam uma posição ímpar
nos
negócios internacionais: 40% ou 50% do comércio global
refere-se a operações entre essas empresas, cita Dupas.
O crescimento do número dessas companhias e dos negócios
por
elas realizados é apontado como uma das razões para a expansão
do comércio internacional.
No início dos anos 80, o comércio mundial de bens e serviços
girava cerca de US$ 5 trilhões ao ano; hoje, aproxima-se dos
US$ 14 bilhões, diz o Banco Mundial.
Esses dados indicam que o comércio entre os países teve,
nesse
período, um ritmo de crescimento mais acentuado do que o da
própria economia mundial.
Um fator decisivo pra que isso tenha ocorrido foram as mudanças
nas regras do jogo comercial internacional com as negociações
no
âmbito do antigo Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio),
na
chamada "Rodada Uruguai", que resultaram em uma redução
generalizada de tarifas (espécie de imposto de importação
adotado pelos governos).
Condições de trabalho
O processo de expansão das empresas multinacionais também
provocou polêmica por causa das condições de trabalho
nas
fábricas desses grupos instaladas em países que não
se destacam
pelo respeito aos direitos dos trabalhadores.
Nos Estados Unidos e na Europa, surgiram nos últimos anos
movimentos de boicote a uma série de produtos de fábricas
desses grupos instaladas em países que não se destacam pelo
respeito aos direitos dos trabalhadores. A Nike foi um dos
principais alvos desses movimentos.
As empresas, de seu lado, têm procurado desmontar -com maior
ou menor grau de sucesso- essas críticas.
Recentemente, a Nike convidou uma ONG (organização
não-governamental), a GoodWorks International, para fazer um
levantamento sobre fábricas que fabricam seus calçados em
três
países asiáticos: Vietnã, Indonésia e China.
A GoodWorks apresentou suas conclusões: embora as fábricas
apresentem condições de trabalho adequadas, "o conceito de
'direitos trabalhistas' não é bem entendido ou adotado nos
três
países onde a Nike e seus principais competidores produzem
calçados e outros itens".
Em contrapartida, são os consumidores "que dão legitimidade
à
tendência de globalização, na medida em que querem,
exigem
mesmo produtos mais baratos e de melhor qualidade", afirma
Dupas.
Muitas vezes é esse mesmo consumidor, no papel de trabalhador,
que sofre com a política de empresas transnacionais de fechar
uma determinada fábrica ou de promover demissões, alegando
a
necessidade de reduzir seus custos para aumentar a
produtividade.
JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
da Reportagem Local
Desde 1960, quando os ricos ganhavam 30 vezes mais que os
pobres, a concentração da renda mundial mais do que dobrou.
Em 1994, os 20% mais ricos abocanharam 86% de tudo o que foi
produzido no mundo. Sua renda era 78 vezes superior à dos 20%
mais pobres.
Esse é o lado menos conhecido da globalização. Ano
a ano o
fosso que separa os incluídos dos excluídos vem aumentando:
os
ricos ficam mais ricos, e os pobres, mais pobres. Em 34 anos, o
quinhão dos excluídos na economia global minguou de 2,3%
para
1,1%. A concentração chegou ao ponto de o patrimônio
conjunto
dos raros 447 bilionários que há no mundo ser equivalente
à renda
somada da metade mais pobre da população mundial -cerca de
2,8 bilhões de pessoas.
"Supõe-se que uma maré de riqueza levará todos os
barcos. Mas
alguns navegam melhor do que outros. Os iates e transatlânticos
estão avançando, em função das novas oportunidades,
mas as
balsas e botes a remo estão fazendo água, e alguns afundam
rapidamente."
É o que diz o Relatório da Organização das
Nações Unidas sobre
o Desenvolvimento Humano, de 1997. O texto faz um balanço
dos efeitos da globalização sob a ótica dos perdedores:
"Os
países menos adiantados podem perder até US$ 600 milhões
por
ano, e a África ao sul do Saara, US$ 1,2 bilhão".
As causas apontadas pela ONU são várias: das barreiras
alfandegárias mais punitivas às exportações
dos países
subdesenvolvidos às leis de proteção de patentes que
dificultam o
acesso das nações pobres a novas tecnologias.
O comércio mundial cresceu 12 vezes no pós-guerra e chegou
a
US$ 4 trilhões por ano nesta década. Mas foi também
o vilão que
mais acentuou as desigualdades entre países ricos e pobres no
processo de globalização. Com 10% da população
do planeta, os
países mais pobres detêm apenas 0,3% do comércio mundial.
Pior: é a metade do que detinham há 20 anos.
Para o conjunto dos países em desenvolvimento, a globalização
impôs perdas comerciais de US$ 290 bilhões entre 1980 e 1991.
Nesse mesmo período, o preço dos produtos básicos
(sua
principal exportação) caiu 45%.
Os mecanismos que deveriam minimizar esses impactos resultaram
ineficientes. A Rodada Uruguai do Acordo Geral de Tarifas e
Comércio "deixou intacta a maior parte da proteção
da indústria e
da agricultura dos países industrializados", diz a ONU. Os
produtos exportados pelo Primeiro Mundo tiveram uma redução
muito mais forte das tarifas que lhe eram impostas do que as
exportações do Terceiro Mundo: -45% contra -20% a -25%.
Diante da perspectiva de diminuição, mesmo que apenas parcial,
das tarifas alfandegárias, os países desenvolvidos acharam
outros
meios de proteger seus mercados. De 1989 a 1994, eles
dobraram o número de barreiras sanitárias e medidas antidumping.
Ao mesmo tempo, reforçavam o dumping em seu próprio quintal.
Em 1995, os países ricos gastaram nada menos do que US$ 182
bilhões em subsídios à agricultura -ou seja, metade
do valor de
tudo o que colheram.
Segundo a ONU, os subsídios dos ricos prejudicam o Terceiro
Mundo de várias formas: 1) mantêm baixos os preços
internacionais, desvalorizando as exportações dos países
pobres;
2) excluem os pobres de vender para os mercados ricos; 3)
expõem os produtores pobres à concorrência de produtos
mais
baratos em seus próprios países.
Há estimativas de que, se os países desenvolvidos reduzissem
os
subsídios agrícolas em 30%, os países em desenvolvimento
ganhariam US$ 45 bilhões por ano.
Além do comércio, o fluxo internacional de recursos aprofunda
as
disparidades mundiais. Mais de 90% dos investimentos
estrangeiros diretos vão para Japão, EUA, Europa e oito
províncias da China.
Todos os demais países, com 70% da população mundial,
ficam
com menos de 10% dos investimentos. "Isso significa que regiões
enormes do mundo estão ficando excluídas dos avanços
tecnológicos", registra o relatório da ONU.
Com crédito reduzido, os países pobres pagavam até
a década
passada taxas de juros quatro vezes maiores do que as pagas
pelos países ricos.
Com tantas desvantagens competitivas, a imensa maioria dos
perdedores do processo de globalização tinha que estar nos
países em desenvolvimento: quase 1/3 de seus habitantes (1,3
bilhão de pessoas) vive com menos de US$ 1 por dia.
Mas os perdedores citados no relatório da ONU não estão
só no
Terceiro Mundo. Cerca de 100 milhões de pessoas vivem abaixo
da linha de pobreza nos países desenvolvidos. Em algumas dessas
nações, como o Reino Unido, esse número tem crescido.
A quantidade de pobres nos países ricos varia de 3% da
população, na Noruega, a 37%, na Irlanda. Os EUA ficam no
meio do caminho, com 14%.
O fantasma que ronda suas economias globalizadas é o
desemprego. As taxas subiram a níveis que não eram vistos
desde
os anos 30. Resultado: há cerca de 37 milhões de desempregados
nos países desenvolvidos.
Os mais otimistas, como o consultor norte-americano Simon
Forge -famoso por suas projeções sobre os impactos da
revolução tecnológica nas comunicações
e na economia-, dizem
que a perda de empregos no Primeiro Mundo é a contrapartida
da criação de postos de trabalho nos países em desenvolvimento.
Ele atribui isso ao fato de as nações emergentes estarem
avançando na educação de seus habitantes -o analfabetismo
caiu
de 57% para 30% entre 1970 e 1994 nesses países- e terem
custos de produção menores (inclusive salários).
"O resultado será menos empregos nos países desenvolvidos,
enquanto os países em desenvolvimento crescerão em poder
econômico nos próximos 20 anos", escreveu Forge num alentado
estudo para o Banco Mundial.
De fato, entre 1989 e 1993, a produtividade dos trabalhadores
mexicanos saltou de 1/5 para 1/3 da dos norte-americanos -em
parte devido à chegada, do exterior, de investimentos e novas
tecnologias orientados à produção para o mercado dos
EUA. A
diferença de rendimento entre os dois países, porém,
não diminuiu:
os salários mexicanos seguem sendo 1/6 dos pagos aos
norte-americanos. Trocando em miúdos, a globalização
beneficiou
mais o consumidor dos EUA do que o trabalhador do México.
Por essas e por outras, Jeremy Rifkin, autor do best-seller "O Fim
do Trabalho", sustenta que a economia global está passando por
uma transformação comparável à Revolução
Industrial.
Em artigo recente para a revista "Mother Jones", ele escreveu:
"Estamos nos primeiros estágios da mudança do 'trabalho em
massa' para um altamente especializado 'trabalho de elite',
acompanhada da crescente automação na produção
de bens e
serviços".
Rifkin calcula que, só nos EUA, cerca de 90 milhões de empregos
(a força de trabalho norte-americana é de 124 milhões
de
pessoas) estão vulneráveis à automação.
Nesse ponto, o relatório da ONU concorda mais com Rifkin do
que com Forge. O texto cita estudos que estimam que o impacto
da concorrência com a mão-de-obra barata dos países
pobres
seja responsável por apenas 10% do desemprego industrial dos
países ricos.
"A redução do gasto fiscal (dos governos) e a mudança
tecnológica tiveram um efeito muito maior sobre o desemprego e a
desigualdade", assinala o relatório.
Na direção oposta à seguida até agora pela
globalização, o texto
propõe seis políticas nacionais para os países tentarem
distribuir
mais equitativamente os benefícios da integração mundial.
Entre elas, sugere que os governos adotem critérios mais seletivos
na hora de abrir as fronteiras à competição internacional,
invistam
na educação da população mais pobre e fomentem
as pequenas
empresas. Em paralelo, a ONU recomenda aos países em
desenvolvimento que formem blocos econômicos regionais: "Eles
podem aumentar o comércio, facilitar o fluxo financeiro e melhorar
os meios de transporte".
A ONU ainda defende sete iniciativas em nível mundial para
igualar as regras do jogo. Destacam-se a proposta de um
mecanismo para controle e vigilância com mais agilidade da
liquidez internacional, mudanças nas regras do comércio mundial
em benefício dos países pobres e uma associação
de empresas
multinacionais para fomentar a redução da pobreza.
A última proposta se baseia numa constatação surpreendente:
das
100 maiores economias do mundo, 50 são megaempresas. Como
a GM, cujo faturamento em 1994 foi superior ao PIB de países
como Turquia, Dinamarca e África do Sul.
É uma tendência em alta. Com as constantes fusões de
gigantes
empresariais, vai aumentar a importância das multinacionais, em
detrimento dos Estados nacionais. E é por essa razão que
já há
quem prefira chamar a globalização de era da "englobação".